sábado, 27 de fevereiro de 2016

Pacheco Pereira e Cunhal, o quarto volume


Li-o todo, de uma ponta à outra, como li os anteriores. O facto de ter conhecido tanto Cunhal ( graças aos bons ofícios do meu primo Jorge Gouveia Monteiro)  como o  biógrafo são detalhes, mas detalhes especiais.
Para quem tem a mania das biografias políticas ( das outras nem tanto),  não se pode ler  de outra maneira. Ainda por cima, o rigor  e o detalhe, a que JPP acopla um português de lei,  brilham sob  uma condição vital: o autor  de uma biografia política tem de ser um autor. Ou seja, não pode apenas relatar  factos ( nem tudo o que parece um facto  político o  é ) e comparar fontes.
Este volume mostra como Cunhal, corajoso moral e fisicamente, foi medroso no plano político. Por ele, as condições objectivas  ainda estariam por reunir  nos  anos 80. Tinha   um pavor enorme de desencadear ou de  ficar ligado a uma revolta falhada. Também é verdade que tinha o país em mais  consideração do que o esquerdismo, mas tinha a sua aura num patamar ainda mais elevado.
O capítulo sobre  Argel é delicioso  e mostra  o ADN do esquerdismo  luso. Só factores de peso, como a vitória eleitoral  do PàF depois de anos  de troika, conseguem milagres de união sobre a empáfia alucinada.
Como JPP tem mudado, tenta desculpar o seguidismo soviético de Cunhal , sobretudo depois de Praga, com explicações circunstanciais. É pena, porque faz dos leitores miúdos  desatentos e disléxicos.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Fundo rosa

O Bloco de Esquerda resolveu atacar adopção gay com este panegírico religioso. Sempre atento, o Público avisou logo que um cartaz tão discriminatório "pode gerar polémica". Sem dúvida. Aquele fundo rosa é um bocado amaricado: reforça todos os estereótipos. E ofende os gays que não acreditam em Deus. A ILGA não diz nada?

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

No Doméstico

Espanadores e zonas de exclusão.

Da série "O som e a fúria"

"Coming to terms with Donald Trump as the Republican nominee is like being told you have Stage 1 or Stage 2 cancer. You know you´ll probably survive, but one way or the other there´s going to be a lot of thowing up."

Christopher Buckley, "Dealing with The Donald", in Spectator, 20/2/16.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

"Falta-nos um Churchill ou um Roosevelt"

Após  ter lido as quase  600 páginas do Beevor,  depois do Orwell e do Preston ( falta-me o Browne) , uma confirmação: não fora os EUA e a Grã-Bretanha e Franco não tinha ganho.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Quem sabe não esquece

A atribuição da Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique a Gaspar Castelo-Branco é um acto de justiça tão elementar como tardio. Não o honra a ele, que já não precisa de honras para nada: honra Portugal, que ele serviu com uma integridade que lhe custou a vida. Pela segunda vez, no curto espaço de semanas, o Presidente da República justifica plenamente o meu voto. Só por isto, que não é pouco, valeu a pena ter votado em Cavaco. Porque um Estado que não honra aqueles que o servem não é digno de ser servido. Gaspar Castelo-Branco tinha um altíssimo ideal de serviço público e pagou um altíssimo preço por isso. São homens como ele que me fazem acreditar na democracia - a democracia que os seus assassinos diziam defender quando matavam inocentes. 
A memória do crime, trinta anos depois, lembra-nos que este país de brandos costumes também teve os seus "anos de chumbo". Não foram só os outros, os da ETA, do IRA, das Brigadas Vermelhas, do Baader-Meinhoff. Em 1986, eu era apenas um adolescente, mas lembro-me bem. Por uma simples e muito pessoal razão: o meu Pai era então Director da PJ. Durante alguns anos, o quotidiano das família foi vagamente perturbado por este acidente profissional. Não que alguma vez me tivesse sentido em perigo, ou tivesse sentido os meus em perigo, ao contrário do que aconteceu a Gaspar Castelo-Branco e à família (como conta aqui o filho). Somos um país de brandos costumes, lembrem-se. Mas na noite de 15 de Fevereiro de 1986, ao ver as imagens do sangue de Gaspar Castelo-Branco na rua de Lisboa onde foi abatido pelas costas, senti que podia ter sido o meu Pai. Ou eu. Ou qualquer pessoa.
Esse momento, além de uma lição de vida sobre homens e ratos (e os ratos não foram foram só os terroristas que o mataram, foram também os políticos que o deixaram sozinho a enfrentar a greve de fome dos presos das FP25), deu-me uma educação sentimental concentrada. Não sabia por onde ia, mas sabia que não era por ali. Na idade em que se forma a inteligência das coisas e o coração bate em geral à esquerda, sabia que nunca teria as ideias de quem faz política matando inocentes. Ou de quem amnistia os assassinos. Trinta anos depois, mudei pouco. Eles também.
Convém lembrar, a este propósito, que Otelo e o resto das FP25 foram presos, julgados e condenados por um tribunal português. Não foram absolvidos: foram amnistiados. A justiça funcionou; foi o poder político, mais uma vez, que não esteve à altura. A começar por Mário Soares, o Presidente da República que assinou a mais vergonhosa amnistia do regime democrático. O mesmo Mário Soares que, há bem pouco tempo, honrou com a sua presidência o comício da Aula Magna onde as esquerdas prometeram correr um governo democraticamente eleito "à paulada". Quem sabe não esquece.

Problemas

Terapia 9 e 10, no Depressão Colectiva.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Maravilhoso mundo novo / maravilhoso ( 3)


O Vasco lembra, mas debalde . Com balde é melhor que está de cheias.  Por falar nisso, neste maravilhoso mundo novo , não se ouve uma voz a indagar por que motivo não há  um governante ( ou apoiante, do PCP e do Bloco) no terreno: a apoiar, a dar carinho, a resolver in loco ( como os media gostam) os problemas das vítimas das cheias.
Este tempo novo é o de um cuté de rapazes alegres e de raparigas a cantar  com derriço o Marco Paulo. 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

E eis porque nunca haverá um "verdadeiro partido liberal" em Portugal

Ontem, no Público, João Miguel Tavares afirmou que a repentina conversão de Passos Coelho à social-democracia ("social-democracia sempre") pode abrir espaço a um "verdadeiro partido liberal" entre nós, que ocupe o vazio deixado à direita pelo PSD. Há um ponto em que tem meia razão e outra em que não tem razão de todo.
Tem meia razão quando nota que a mudança, depois de quatro anos de "discurso liberal" (fora os que estão para trás), soa a falso. Chamemos-lhe o momento "piegas" de Passos, que só levará a sério quem leva sempre Passos a sério. Mas é esta falta de seriedade que torna a conversão meramente instrumental, como sucede a todas ideias de Passos. Em breve será revertida, se isso lhe trouxer qualquer vantagem. Nem Passos nem o PSD mudam de um dia para o outro. As notícias do espaço vazio à direita são claramente exageradas.
Mas João Miguel Tavares não tem razão quando imagina que um "verdadeiro partido liberal" seria possível em Portugal. Não é, e por muitas razões Ocorrem-me três de imediato.
Primeiro, por causa dos liberais indígenas, que chamam socialista a qualquer programa político que não subscreva, por junto, a privatização do SNS, da TAP, da Torre de Belém, dos rangers de Lamego e do consulado no Luxemburgo. O problema do "verdadeiro partido liberal" não está no "liberal", mas no "verdadeiro". A exigência de um "verdadeiro" liberalismo, que só um "verdadeiro partido liberal" poderia garantir, aproxima-os paradoxalmente da extrema-esquerda: uns e outros, em campos opostos, preferem a a pureza ideológica da utopia aos incómodos limites da realidade. Com uma diferença: a extrema-esquerda teria sempre mais votos do que um hipotético partido liberal. O programa máximo de Estado mínimo talvez apele ao país da massa, mas não às massas do país. Um "verdadeiro partido liberal" seria um partido de quadros, de estrangeirados, de elites, mas não um partido com eleitorado e, portanto, com vocação de poder. Isto também explica que os nossos autoproclamados liberais, quando vão para a política,  façam carreira no PSD ou no CDS, esses vis grémios socialistas, e que alguns acabem até por perder o liberalismo no processo de transferência. Mas quem perde mais é o país: um pouco de liberalismo real (e não apenas "verdadeiro") fazia-nos mesmo muita falta.
Em segundo lugar, a classe média, que na anglosfera é o nervo da sociedade civil, do associativismo e da iniciativa privada, como viu Tocqueville, em Portugal depende do Estado. Mais: a nossa classe média, lembra Vasco Pulido Valente, é uma criação do regime constitucional do século XIX, que com ela encheu o funcionalismo público nascente. Num país em que só havia ricos e pobres, foi assim que se fez o corpo eleitoral  do constitucionalismo. Esta burguesia sempre dependeu do Estado para ter um emprego seguro e alguma mobilidade social. Nascida e criada com a monarquia liberal, nunca se mostrou grata nem ao rei nem ao liberalismo. No final do século, tornou-se republicana, sobretudo nas grandes cidades. Antes de o Senhor D. Carlos ser corrido a tiro, já os municípios de Lisboa e Porto estavam nas mãos do PRP, cujo amor à liberdade é conhecido. Claro que as coisas não melhoraram na I República, talvez a época mais iliberal da nossa história, nem na ditadura, onde a mesma classe média que tinha sido furiosamente republicana se tornou calmamente apolítica, pelo menos até à guerra colonial. Veio a democracia, mas o amor da burguesia ao Estado manteve-se, agora sob a forma de subsídios europeus e de "escola pública". A esta burguesia costuma dar-se o nome de centrão e dizem que é aqui que se ganham eleições. Passos sabe isso e Tavares também, mas sonhar não custa. Enquanto o sonho não for privatizado.
Por fim, e esta é talvez a razão mais profunda, o liberalismo lusitano não se desenvolveu gradual e organicamente, graças a séculos de democracia censitária e de comércio com o Império, como em Inglaterra, mas foi imposto de cima para baixo pela guerra civil e pelo fim abrupto do Antigo Regime. Rui Ramos, ecoando Alexandre Herculano, diz que a legislação liberal de Mouzinho da Silveira foi "a maior e mais brusca transformação político-social da história portuguesa", comparável, neste cantinho, às ondas de choque que a Revolução Francesa levou a todo o continente europeu. Por outras palavras, os liberais portugueses, como em França, em Itália, em Espanha, etc., impuseram o liberalismo por decreto e apropriaram-se do Estado em vez de o dispensar. Almeida Garret, nas Viagens na Minha Terra, resume tudo com a frase célebre de que o constitucionalismo tinha trocado o frade pelo barão. Ou seja, substituíra o poder da Igreja e da velha nobreza, despojadas de bens e privilégios em 1834, por uma nova classe de "devoristas", pessoal político dos partidos liberais que comprara os latifúndios das extintas ordens ao desbarato e ocupara o aparelho de Estado em sistema rotativo. O pretexto, como sempre, era modernizar a pátria, mas a modernização devorista teve consequências fatais para o liberalismo: impediu o aparecimento de uma classe de pequenos e médios proprietários, tão necessária ao regime e tão sonhada pelos seus mais lúcidos defensores (Mouzinho e Herculano, por exemplo); perpetuou a miséria do proletariado rural, que daria no século XX a mais firme base de apoio social ao PCP; alimentou o ressentimento da província contra o progresso imposto por Lisboa, que explodiu por vezes em autênticas guerrilhas populares como a Maria da Fonte, no Minho, ou o Remexido, no Algarve. O liberalismo era coisa de Lisboa, como no tempo de Salazar será coisa da "livre Inglaterra". Nunca pegou no país real.
E eis porque nunca haverá um "verdadeiro partido liberal" em Portugal: não há uma sociedade que o sustente. Passos bem pode jurar amor eterno à social-democracia, que a burguesia prefere a segurança à liberdade. Sempre.

Da série "O Som e a Fúria"

"They refused to even question - never mind answer - the nature of the link between Islam and Islamism, because it`s the new taboo. When Hollande spoke on November 13 and 14, he didn`t even mention the word Islamism. Never forget that Newspeak isn`t just the invention of new words, but the concealing of reality."
Laetitia Straucht-Bonart, "After Paris, who will speak for France?", in Standpoint, Jan./Fev. 2016, p. 38.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Terapia 5 e 6

No Depressão Colectiva.

The procession is still in the churchyard

As democracias antigas têm razões que a nossa razão desconhece. Em Inglaterra têm a rainha e um parlamento não eleito, a Câmara dos Lordes. Nós temos o Dr. Soares e o Tribunal Constitucional. Na América têm um processo eleitoral que dura meses. Nós contamos os votos numa noite de directos e facas longas. Por isso estranhamos a emoção em câmara lenta das primárias, por isso já vemos Trump ou Sanders como candidatos à Casa Branca só porque ganharam no New Hampshire - depois de terem perdido no Iowa. Relax, a procissão ainda vai no adro. Ou, como como dizem no Vermont, the procession is still in the churchyard.

Maravilhoso mundo novo/maravilhoso ( 2)


A UTAO disse:
"As despesas com pessoal são revistas em alta face ao Esboço do Orçamento para 2016 em 0,3 mil milhões de euros. No entanto, neste domínio, entre o Esboço do Orçamento do Estado para 2016 e o Orçamento do Estado para 2016 foi anunciada uma alteração que apontaria para uma poupança de despesas com pessoal e, portanto, para uma variação de sentido contrário”.

 A SIC, a TVi, a TSF disseram: --------

Umas da coisas maravilhosas deste mundo novo é que o aumento de boys, assunto que costumava sempre  ser assinalado, fosse qual fosse a cor do governo recém-empossado, deixou de ser notícia.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Tenho

Isto a dizer.

Passar fractura

Sou um veterano das batalhas fracturantes na bloga, onde estive sempre do lado certo - contra. Muitas vezes até contra o Dr. Vicente, que hoje generosamente me acolhe a esta casa, prova tanto a sua caridade quase cristã como a minha condição de sem-abrigo virtual.
A batalha agora é a eutanásia (suspiro). Não prevejo que as tropas se vão mobilizar como aconteceu no aborto ou no casamento gay, o que não deixa de ser curioso. Se nenhum de nós vai para novo, a possibilidade de uma dose suplementar de morfina numa cama de hospital devia assustar-nos mais do que sermos interrompidos voluntariamente às nove semanas ou sermos obrigados a casar com o Sócrates.
Por mim, estou à vontade: eduquei a prole no temor de Deus e do pater familias. Só me preocupam, como sempre, as gentes progressistas, que não terão tido esse cuidado. O país ficaria a perder se eles (ou a prole) concluíssem que alguém está a mais.

Maravilhoso mundo novo / maravilhoso ( 1)


Hoje, na SIC, uma peça sobre os utentes que entopem as urgências dos hospitais com gripes outras maladias menores. Não respeitaram o plano do ministério  da saúde.
 A culpa? Agora, no maravilhoso mundo novo,  é dos danados dos utentes que não recorrem ao centro de saúde da sua zona. Perguntam vocês, publi-cuzinho, só deles? Não.
O homem  da ordem dos médicos do Centro  falou. Disse que há centros de saúde que nem termómetros  têm. Uma vergonha do PàF, um escândalo, mas  não só não  faz greve como deve ter um irmão gémeo que elogia assim a medicina familiar. Mesmo sem termómetros.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

É Carnaval, ninguém leva a mal

Há dias, fui convidado para falar sobre o Carnaval no programa "Sociedade Civil", da RTP2, suponho que na qualidade de historiador (nunca se sabe, tendo em conta o tema). Às tantas, as coisas tornaram-se um pouco confessionais e, ainda por cima, enganei-me no nome da "Marcha da Quarta-feira de Cinzas" do Vinicius de Moraes, mas o saldo final é positivo. A companhia ajudou: Luís Castro, o apresentador, e Ana Umbelino, vereadora da Câmara Municipal de Torres Vedras. O programa foi pré-gravado e vai para o ar no dia de Entrudo. O "Combate entre o Carnaval e a Quaresma" de Pieter Brueghel, o Velho, que surge na conversa, é o quadro que vêem aí acima. Em primeiro plano, o gordo em cima do tonel representa o Carnaval e a famélica de cinzento representa a Quaresma. E até tivemos tempo para o Alberto João Jardim. Maravilhas da televisão.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Com que então

Agora temos traidores, quintas colunas, sabotadores? E isto porque  um conjunto  de pessoas fez eco da malha ( para usar a   expressão diplomática  do nosso  diplomata-mor) que a UTAO deu no Orçamento. Muito me contam.
Durante os anos da crise,  de cada vez que havia  indicadores positivos para nossa frágil economia, quem o sublinhava era apodado de governista, passista, vendido, agenciado. Por outro lado, os patriotas eram os que escarneciam desses sinais.
Tão ou mais interessante , ao estilo  X-Files, o tal  país, que estava  em coma e destruído, pariu um Orçamento grávido de optimismo e arrojo. E isto sem  o governo salvador  ter sequer começado  a trabalhar.
Fico então como o querido padre AntónioVieira, para cima, considerando que há Céu, e para baixo, lembrando-me que há Inferno.