terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Soares

A propósito: Rui Ramos perguntava recentemente, no Observador, se o Soares que dá ordens a um juiz por causa de uma prissão pereventiva e dispara que "toda a gente em Portugal acredita na inocência de Sócrates" será o mesmo que combateu Salazar e o PREC. E respondia que sim.
Eu também. Soares ficará na história com o cognome (merecido, acrescente-se) de pai da democracia portuguesa. Não será o único, mas é sem dúvida o menos incógnito. Só que essa paternidade deu-lhe também a não menos histórica e não menos incógnita certeza de ser dono da democracia portuguesa. Uma certeza, de resto, partilhada por toda a esquerda. A razão é simples e foi há muito explicada por Fraçois Furet: a esquerda fundamenta a sua legitimidade política na luta contra o fascismo, uma legitimidade que a direita não teria. Logo, a esquerda pensa que tem um direito natural ao poder em democracia e que o seu exercício pela direita é uma usurpação temporária, nunca atribuível ao voto do povo, mas a malévolas conspiratas do capital, da CIA e de Bruxelas.
Soares sempre pensou assim. Basta recordar o que disse de Cavaco, quando o criptofascista de Boliqueime tinha maiorias absolutas ou era candidato a Belém. Ou o que disse do actual Governo na Aula Magna. A fé cega em Sócrates deve-se a esta visão maniqueísta da história. Sócrates deu aos socialistas o poder que lhes pertence por direito e "os malandros" castigaram-no com a prisão e a infâmia. Tal como os comunistas perdoam tudo a Estaline e acusam qualquer crítica ao "pai dos povos" de revisionismo burguês.
É pena. Não pela democracia, que aguenta bem estes e os outros pais (Otelo, por exemplo, foi condenado por terrorismo e - não por acaso - amnistiado por Soares, sem que Portugal se tornasse Cuba por isso). É pena pelo próprio Soares, que não merecia o que Soares se tem feito.

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