terça-feira, 29 de abril de 2014

Vasco Graça Moura

A crónica de Paulo Rangel no Público de hoje é o epitáfio mais feliz de Vasco Graça Moura que li nos últimos dias. Rangel sublinha a obra de tradutor de Graça Moura, tal como aqui fez o Filipe, mas num sentido mais universal: "Traduzia o mundo da cultura, supostamente longínquo e erudito, para o universo social e mediático. A sua vocação de tradutor não se ralizou apenas na actividade fulgurante da versão de línguas; a sua vocação de tradutor revelou-se afinal muito mais profunda e muito mais vasta. Todo o seu exercício cultural, designadamente na sua dimensão pública, foi uma tensão permanente de tradução. de trazer à comunidade o gosto, a paixão e a inteligência do que se passava para lá da cortina da erudição." Não será um acaso que os mais atentos prefiram o tradutor ao criador. Como poeta, o reconhecimento de Vasco Graça Moura enfrentou dois obstáculos: o de ser uma estrela média na constelação que vai de Cesário a Herberto, e o de não se situar facilmente em tal constelação. Alguém o classificou como "neomaneirista" e, em certo sentido, ele está mais próximo de Camões ou Sá de Miranda do que de Pessoa - a quem chamava, de resto, "o poeta Aleixo da razão". Digo-o sem qualquer propósito iconoclasta, até porque acredito que a tradução é outra forma de criação, para repetir uma evidência. Quantos portugueses conheceriam hoje A Divina Comédia de Dante sem a versão de Vasco Graça Moura? Poucos, e eu não me contaria entre eles. Mas também era uma forma de tradução a sua poesia, cultíssima, imersa na grande tradição ocidental que ele conhecia em profundidade e nos dava a conhecer, como um mineiro arranca diamantes às entranhas da terra. A tradição é sempre uma tradução, um modo de trazer o passado ao presente. Vasco Graça Moura sabia isso melhor que ninguém.

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